sexta-feira, 5 de julho de 2019

Opinião: 1793

Título Original: 1793 (2017)
Autor: Niklas Natt och Dag
Tradução: Rita Figueiredo
ISBN:  9789896657925
Editora: Suma de Letras (2019)

Sinopse:

1793, Estocolmo. Quatro anos após da tomada da Bastilha e mais de um ano depois da morte de Gustavo III da Suécia, as guerras estrangeiras esvaziaram os tesouros e a nação é governada com mão de ferro pelo senhor do reino. Na esteira do falecimento do velho rei, a confiança transformou-se num bem escasso. A paranóia e as conspirações sussurradas abundam em todos os cantos. Uma promessa de violência estala no ar enquanto os cidadãos comuns se sentem cada vez mais vulneráveis aos caprichos dos que estão no poder.

Quando Mickel Cardell, um ex-soldado aleijado e ex-guarda noturno, encontra um corpo mutilado flutuando no lago malcheiroso da cidade, sente-se compelido a dar ao homem não identificado um enterro condigno. Para Cecil Winge, um brilhante advogado que é também detetive consultor na Polícia de Estocolmo, um corpo sem braços, pernas ou olhos é um enigma formidável e uma última oportunidade de acertar as coisas antes de perder a sua batalha com a morte. Juntos, Winge e Cardell vasculham Estocolmo para descobrir a identidade do corpo, encontrando o lado sórdido da elite da cidade.

1793 retrata a capacidade de se ser cruel em nome da sobrevivência ou da ganância - mas também a capacidade para o amor, a amizade e o desejo de um mundo melhor.

Opinião:

Já há muito tempo que não me deparava com uma leitura que me causasse um impacto tão forte. 1793 é um thriller histórico que nos apresenta uma Estocolmo pouco conhecida e personagens que prometem deixar uma marca no leitor. O aparecimento de um corpo mutilado num rio despoleta a ação e dá-nos a conhecer uma história que se destaca de todas as outras que li até ao momento.

Niklas Natt och Dag, o autor, dividiu a narrativa em vários momentos, sendo que em cada fase da história acompanhamos uma ou mais personagens mais relevantes. Numa primeira fase o leitor é apresentado a Mickel Cardell e Cecil Winge. O primeiro é um guarda que ficou sem um braço numa guerra e que, dentro de uma grande revolta, tenta sobreviver num mundo marcado pela probreza. O segundo é um académico que possui uma mente analítica e coloca a justiça e razão à frente de tudo. Gostei muito destas personagens, especialmente de Winge. Os dois fazem um contraste entre a força bruta e o intelecto, sendo que ambos partilham uma noção de compaixão semelhante e acabam por criar uma ligação forte e, inicialmente, improvável. Uma dupla que funciona bem.

Existem outras fases da obra que remetem para fases anteriores à da ação principal. Aqui, conhecemos outras personagens de relevo e temos acesso a informações cruciais para entender o crime, mas também para melhor entrar nesta sociedade e época. Estes capítulos podem, ao início, parecerem algo deslocados do enredo base, mas a verdade é que acabam por agarrar e revelar-se muitos pertinentes. Esta escolha foi um risco para o autor, mas fez todo o sentido. Mas fica o meu aplauso para a construção de cada uma destas figuras e pela forma como evoluíram ao longo da narrativa.

O desenrolar está bem conseguido, mesmo com a paragem da ação principal para dar espaço a capítulos dedicados a outras personagens e a um outro tempo. A leitura começa com curiosidade, mas com o decorrer das páginas dei por mim cada vez mais curiosa com a história e ansiosa para saber o que vinha a seguir. A forma como este crime foi construído e resolvido faz sentido e faz acreditar que provavelmente poderia ter acontecido. E apesar de ter sido um assassinato muito macabro, devo dizer que aquilo que mais me chocou foi mesmo a apresentação desta sociedade.

O autor focou-se mesmo no que de mais negro podemos encontrar na humanidade para a construção desta história. Percebe-se facilmente que houve uma grande investigação relativa à vida e costumes do século XVIII, sendo tudo apresentado através de uma escrita direta e crua, onde o objetivo era mostrar a realidade, por mais chocante que pudesse parecer. Não foi a pobreza que me perturbou, mas sim o desprezo pelo outro. O autor apresenta esta cidade como uma selva onde os mais poderosos, ricos e oportunistas vencem, sendo que todos os outros são maltratados sem qualquer pingo de compaixão. Existem diferentes cenários que não me saem da cabeça.

Fico impressionada por 1793 ser o livro de estreia de Niklas Natt och Dag. O autor tem um estilo muito próprio, que mistura o realismo com a obscuridade dos temas que mais podem perturbar o leitor. Ao mesmo tempo, apresenta personagens profundas, humanas e empáticas que se encontram numa história cativante e credível. Gostei muito deste livro e fico curiosa para saber que mais poderá vir das mãos deste escritor.

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