terça-feira, 6 de agosto de 2013

Entrevista a Nuno Nepomuceno

Licenciado em Matemática, Nuno Nepomuceno desde cedo soube que não era apenas um homem de números, mas também de letras. Sem revelar a ninguém, decidiu enviar um dos seus manuscritos para o Prémio Literário Book.it para jovens autores. Foi o vencedor do galardão e publicou o seu primeiro romance, O Espião Português. Neste momento, encontra-se a trabalhar no segundo tomo desta trilogia.
Um forte agradecimento ao Nuno por toda a simpatia e pela disponibilidade.


Uma Biblioteca em Construção (U.B.C.) - Quando começou a ligação com a escrita?
Nuno Nepomuceno (N.N.) - Já tem algum tempo, pois trata-se de uma ambição antiga. Fiz uma tentativa inicial ainda durante a universidade e, pouco tempo depois, voltei a trabalhar num manuscrito. Contudo, foi há oito anos que decidi fazer um esforço sério. Acho que se tratou de uma questão de maturidade. Acabei por demorar mais do que pensara porque tive de realizar uma paragem a meio, além de nunca ter colocado um objectivo ou prazo no projecto. Quando comecei a escrever O Espião Português, fi-lo somente para mim.

U.B.C. - Como surgiu a ideia de escrever sobre este "Espião Português"?
N.N. - Queria experimentar escrever algo e a espionagem é um género que me agrada em particular. Por outro lado, no seu estado puro, acaba por ser pouco visto, pelo que achei que seria interessante e diferente do que habitualmente é apresentado pelos autores nacionais. Como estava habituado a ler e a ver filmes e séries sobre o assunto, sentia-me algo à vontade, acabando por ser uma opção natural. A ideia de apresentar o André como um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros surgiu por necessidade. Precisava que as suas constantes viagens fossem credíveis. Ao mesmo tempo, acabei por ter alguma sorte, já que me parece que resultou muito bem.

U.B.C. - A história ser uma trilogia é um objectivo inicial?
N.N. - Sim, é. Não se trata de prolongar ou esticar um conceito até à exaustão, mas quando comecei a delinear o enredo, achei logo que se tornaria num livro demasiado longo para ser apresentado só num volume. Não quero com isto dizer que para ler um, teremos forçosamente de conhecer os anteriores. Tenho tido esse cuidado e espero criar tomos independentes. Mas há todo um universo e conjunto de personagens que se vão manter, o que também me parece interessante do ponto de vista dos leitores, já que podem criar uma maior familiaridade com os mesmos.

U.B.C. - Quais as principais dificuldades no processo criativo?
N.N. - Essencialmente é não me repetir. Ou seja, continuar a apresentar situações diferentes, não estar sempre a fazer o mesmo, evitar seguir uma receita ou modelo. Considero que acabei por ser bem sucedido em  O Espião Português. Tanto vemos o André envolvido numa perseguição que decorre num palácio antigo, num centro de conferências da União Europeia, num clube nocturno vanguardista, ou a participar numa operação repartida por diversas dimensões espaciais com múltiplos arcos narrativos que se entrelaçam e estendem a outras personagens. E em todas as ocasiões tive a preocupação de definir objectivos distintos. Foi e continua a ser um grande desafio.

U.B.C. - Em que te baseias para a construção das personagens?
N.N. - Começo sempre por definir como e quem são. Idade, cabelo, olhos, constituição física, ocupação, entre outras características. Os pormenores resultam da função que cada personagem tem na história. Por exemplo, o núcleo central da Cadmo, isto é, o André, a Marie, a Monique e o Anssi, são apresentados como muito atraentes. Isto foi intencional, já que foram escolhidos segundo elevados critérios físicos e psicológicos, além de assim contribuírem para um tom sofisticado e elegante que sempre quis que o livro tivesse. Já noutras personagens, o mais importante é que transmitam outra gama de sensações, como a grande bonomia do ministro dos negócios estrangeiros, a extrema afectuosidade dos pais do André, ou a atracção impossível que ele sente por uma das operacionais da agência rival.

U.B.C. - De que forma ficaste a conhecer o Prémio Literário Book.it?
N.N. - Por mero acaso. Fui à página da LeYa na internet à procura do contacto. Estava a pensar em submeter o manuscrito para apreciação editorial, mas acabei por ver a referência ao concurso entre a secção de notícias. Já conhecia a rede de livrarias, embora não fosse cliente devido à inexistência de uma loja na minha zona de residência. Mesmo assim, pareceu-me uma boa oportunidade. Resolvi fazer o download do impresso de inscrição e experimentar concorrer. Ao contrario deste ano, a organização disponibilizou apenas dois meses para as candidaturas. Mesmo assim, ainda consegui fazer uma última revisão, as devidas formatações, e enviar a candidatura atempadamente.

U.B.C. - O que significou vencer este concurso literário?
N.N. - É uma grande oportunidade. Sinto-me orgulhoso por O Espião Português ter sido o escolhido e por a revista Lux Woman, a Book.it, a ASA, e os grupos Sonae e Leya reconhecerem que tenho qualidade.  Achava que tinha apresentado algo diferente do que é habitualmente escrito em Portugal, mas, até aquela altura, tal só tinha funcionado contra mim. E depois recebi o telefonema da Book.it. Finalmente alguém tinha dedicado parte do seu tempo a ler o meu livro e, no fim, quando comparado com todos os outros, achara que merecia ser publicado. Tratou-se de um momento muito feliz, mas que me deixou com um problema em mãos. Não sabia qual seria o destino de O Espião Português, razão pela qual o escrevi em segredo. Num mês contei aos meus pais, no outro às minhas irmãs, e só uma semana antes é que disse aos meus amigos. Foram momentos algo embaraçosos, embora o apoio tenha sido incondicional.

U.B.C. -  Qual foi a sensação de teres o teu primeiro livro publicado nas mãos? E vê-lo nas livrarias?
N.N. - Foi algo estranho. O Espião Português foi lançado em Novembro do ano passado. Contudo, desde Setembro que tinha o ficheiro com a capa no meu computador. Tinham-me pedido para não a mostrar e manter a notícia em segredo, devido ao exclusivo da revista LuxWoman. Acumulei ansiedade durante um mês e meio, mas acabou por compensar. Quando cheguei à Book.it de Campo de Ourique, a montra estava cheia só com o meu livro. Fiquei a rir-me para os vidros como um tontinho.

U.B.C. -  Na tua perspectiva, como tem sido a recepção dos leitores a esta obra?
N.N. - Felizmente, tem sido bastante positiva. Disponibilizei um endereço de email através da minha página oficial na internet, além de actualizar regularmente o meu perfil no Facebook, e são já vários os leitores que me enviaram os parabéns e destacaram o que mais gostaram no livro. E há sempre os números que o demonstram. No fim da primavera passada, foram ultrapassadas as 2000 unidades vendidas. Pode parecer pouco, mas num mercado como o nosso e que passa actualmente por grandes dificuldades, é um marco muito importante. Sobretudo, sendo eu um estreante.

U.B.C. - E como está a ser lidar com as criticas menos positivas?
N.N. - Tento encará-las com naturalidade. Ainda não recebi uma crítica integralmente negativa. Ao invés, todas elas têm sido boas, com uma ou outra ressalva menos positiva, embora saiba que esse dia acabará por chegar, seja com O Espião Português ou qualquer outro projecto.  Mesmo assim, tento extrair o melhor de todas. Não vejo a escrita como algo estanque e tenho a consciência de que ainda tenho muito para aprender. E compreender o impacto que o meu trabalho tem nos outros é a melhor forma de o concretizar.

U.B.C. -  Chegaste alguma vez a sentir que a palavra “Português” no título pudesse funcionar como factor de repulsão ou atracção?
N.N. - Sim, a palavra “Português” está no título porque foi considerado mais comercial. O manuscrito que venceu o Prémio Book.it tinha outro nome, bem mais comprido e complexo. O Espião Português foi uma sugestão da Carmen Serrano, a editora da ASA que trabalhou comigo. Considerou-o mais imediato, apelativo e, mesmo assim, completamente adequado ao livro. Não tinha pensado nele, mas estou contente por o ter aceite. São três palavras que resumem brilhantemente tudo o que compreende.

U.B.C. -  Como está a correr a elaboração do segundo volume? Podes falar um pouco sobre o que vais tentar transmitir com ele?
N.N. - Está a progredir a bom ritmo. Não tenho escondido que tenho outra profissão tanto ou ainda mais exigente do que esta, pelo que, por vezes, é difícil conciliá-las. Mas escrever é algo que faço com muito gosto e tenho procurado reorganizar o meu tempo de forma a criar uma maior disponibilidade. Estou a usufruir da pequena experiência que adquiri e tenho um sentimento muito positivo em relação ao que já está redigido. Não quero adiantar muito sobre o enredo, mas posso contar que iniciar-se-á quatro meses depois do fim de O Espião Português. Vai assentar no trinómio dúvida-confiança-traição e, apesar de apresentar alguns dos conceitos que são transversais a toda a série, espero que consiga marcar a diferença face ao primeiro volume. Será um livro com uma carga psicológica intensa, além de mais complexo, denso e romântico. O André não é o único protagonista e a acção divide-se entre Lisboa e outra capital europeia. As constantes viagens, a estrutura narrativa não linear, e o estilo intimista e sofisticado vão manter-se. A palavra-chave será evolução. Acho que deixei margem de progressão no primeiro volume. Amadureci, estou menos ingénuo, já sei melhor o que resulta ou não, e é nesse sentido que me encontro a trabalhar.

U.B.C. - Quais pensas serem as tuas principais características enquanto autor?
N.N. - Pergunta difícil, esta. Ainda me sinto a crescer e não creio que a minha escrita esteja já completamente definida. Mas tento proporcionar uma leitura fluída, compulsiva, e que vá mais além, ou seja, preocupo-me em não escrever apenas acção, tiros e pontapés, mas também em transmitir uma mensagem universal que possa agradar a um público mais alargado. Por outro lado, e usando de alguma imodéstia, considero-me pouco convencional face ao tradicional autor português. A minha narrativa é composta por constantes avanços, cortes, retrocessos, e decorre em vários locais emblemáticos da Europa. Ler um livro meu acaba por ser uma forma alternativa de viajar, bem como de navegar por entre um universo fantástico que nos faz sonhar.

U.B.C. - Qual pensas ser o papel da internet na divulgação desta obra?
N.N. - Tem sido muito importante, quase fulcral. As entidades ligadas ao O Espião Português têm feito um esforço por divulgar o livro, mas este é um mercado extremamente competitivo e feroz. Através das diversas parcerias que tenho realizado com alguns bloggers, tenho conseguido mantê-lo à vista do público e todos têm sido muito generosos, simpáticos e profissionais comigo. A internet é a fonte de informação mais directa e acessível que temos ao nosso alcance e, apesar de ser algo novo neste meio, estou surpreso pela qualidade e variedade de conteúdos dos blogues portugueses. Esta entrevista realizada por uma biblioteca em construção é uma iniciativa muito interessante e que deve ser louvada. A imprensa tradicional deveria vê-la como um exemplo.

U.B.C. - Como é que uma formação ligada à Matemática e a escrita se ligam?
N.N. - Aparentemente, são completamente díspares, não é? Não sou dessa opinião. Acho que o nível de abstracção envolvido acaba por ser similar, além de um romance policial obrigar o seu autor a trabalhar simultaneamente com inúmeras variáveis que se interligam, algo pelo qual a Matemática é sobejamente conhecida. E, além disto, antes da minha formação académica, sou português. Tenho o dever de tratar bem a minha língua.

U.B.C. - Quais são os teus autores de referência?
N.N. - O Daniel Silva é uma referência incontornável. A série do "Gabriel Allon" é fenomenal e o seu autor tem revelado uma inteligência extraordinária na forma como a tem mantido interessante e actual. Também admiro bastante o Ken Follet. Acho que aprendo imenso cada vez que leio um dos seus livros. Estão sempre muito bem construídos. E depois existem vários outros autores que são companhias frequentes como a dupla Nicci French ou o Christopher Paolini, por exemplo.

U.B.C. - Para além da ligação à escrita e à literatura, quais são os outros hobbies que ocupam o teu tempo?
N.N. - O tempo livre começa a escassear, mas o pouco que vou tendo, ocupo-o a ler ou a fazer desporto. São vários os género que me agradam, desde o policial, à fantasia, pontuados pelo ocasional romance histórico. Gosto de me identificar com uma personagem e imaginar-me no centro da acção. Por outro lado, procuro ir de forma regular ao ginásio, pois é algo que me ajuda a descontrair, além de me permitir comer sem grandes restrições. Faço uma sobremesa todos os fins-de-semana. Sou muito guloso.

U.B.C. - Que desejas vir a alcançar no mundo literário?
N.N. - Continuar a escrever, ser publicado, e apresentar-me cada vez mais com maior qualidade. Se assim for, o resto, seja ele qual for, acabará por vir por acréscimo.

Sem comentários: