É com prazer que inauguro o espaço de entrevistas com a ajuda de Carla Ribeiro. Autora portuguesa de Resende, licenciada em Medicina Veterinária, é a mente que deu origem a obras como Senhores da Noite (2010) e Pela Sombra Morrerão (2010), para além de já ter colaborado em diversas publicações, tais como a revista Dagon (2009) ou a antologia de contos Vollüspa (2012).
Leitora ávida, Carla procura ler um pouco de tudos, apesar de confessar ter preferência pelo género fantástico. As suas opiniões literárias podem sem acompanhadas no blog As Leituras do Corvo.
Desde já, fica aqui um agradecimento à Carla por ter aceite esta entrevista com simpatia.
Uma Biblioteca em Construção (U.B.C.): O que é que a escrita significa para ti?
Carla Ribeiro (C.R.): Gosto de pensar que vive num lugar muito especial dentro de
mim. Muitas vezes, é um refúgio e uma forma de viver outras vidas quando a
realidade se torna demasiado pesada. Quase sempre é um caminho para conhecer
cenários e personalidades que não existem no mundo real. De todos os sonhos que
tenho ou tive, diria que a escrita é provavelmente o mais querido e o mais
especial. Mesmo quando as coisas se complicam, quando quase apetece seguir
outro rumo, acabo sempre por descobrir que é algo que preciso de fazer, mesmo
quando os resultados acabam por ficar na gaveta.
U.B.C.: Qual é para ti a maior dificuldade neste processo?
C.R.: Tenho uma relação muito próxima com as minhas histórias e
com as minhas personagens. Quando estou a escrever, é como se estivesse a viver
a vida deles, mas também sei que cada leitor fará uma interpretação diferente
da história e que aquilo que eu gosto e com que me identifico não terá o mesmo
efeito em todos os leitores. Às vezes, esse conhecimento de que aquela história
muito especial e muito amada pode ser mal recebida por quem a lê é um pouco
assustador. E a insegurança que isso causa é uma das grandes dificuldades com o
meu processo criativo.
U.B.C.: E o que te dá mais prazer na escrita?
C.R.: Perder-me na história e nas personagens que nela habitam.
Encontrar-me nos valores que os definem, identificar-me com as fragilidades,
rir, chorar e viver com eles e criar-lhes um caminho e um mundo para descobrir.
Construir com a imaginação, é esse o lado mais maravilhoso da escrita.
U.B.C.: Quais são as tuas referências literárias?
C.R.: É difícil responder a essa pergunta, principalmente porque
escrevo muitas coisas diferentes e houve diferentes descobertas a empurrar-me
para esses géneros. Na poesia, a descoberta dos sonetos de Florbela Espanca foi
provavelmente a primeira referência a empurrar-me para a escrita. Na prosa os
nomes multiplicam-se, mas, se tivesse de apontar os grandes marcos a nível de
descobertas literárias, teria de destacar os contos de Edgar Allan Poe, algumas
das obras de Marion Zimmer Bradley e, mais tarde, a descoberta da obra de Anne
Bishop.
Senhores da Noite (2010) |
U.B.C.: As tuas obras têm características muito negras. Porquê
este registo?
C.R.: Nem sempre o lado negro e cruel é o elemento que se destaca
nas minhas obras (ainda que o seja nas mais recentes), mas há quase sempre algo
de sombrio ao longo da história. Isto deve-se, em parte, à percepção que tenho
de que todos têm um lado negro escondido algures, que pode ser potenciado ou
atenuado pelas circunstâncias da vida, mas também porque, por vezes, é nas
situações mais extremas que se revela o melhor e o pior de uma personalidade.
Nas minhas histórias, este lado negro pode reflectir-se de uma forma mais
global, em que, por razões de sobrevivência ou pela própria natureza do
indivíduo, é necessário que sejam as características negativas a sobressair, ou
de uma forma mais pessoal, ditada pelas marcas do passado ou por um conflito
interior.
U.B.C.: O que fazes quando a musa decide tirar férias?
C.R.: Às vezes, desespero, principalmente naquelas alturas em que
as férias se prolongam durante meses. Além disso, a minha musa é uma criatura
frágil, às vezes esconde-se por razões tão simples como as inseguranças que
falei numa das perguntas mais lá para trás. Uma forma que encontrei para lidar com
os amuos da musa é reler o que já escrevi do projecto em mãos. Às vezes, ver o
trabalho feito faz despertar uma ideia para o que deve acontecer a seguir e o
bloqueio desaparece. Até acontece, por vezes, surgir uma ideia para outro
projecto (tenho sempre mais que uma história em curso). Quando isto não
resulta... Espero. Há quase sempre uma razão por detrás do bloqueio e, mais
cedo ou mais tarde, essa razão acaba por desaparecer ou por perder alguns dos
efeitos negativos.
U.B.C.: E como lidas com as críticas ao teu trabalho (quer sejam
negativas ou positivas)?
C.R.: Tentei lidar com elas da forma mais construtiva possível. Há
qualquer coisa de maravilhoso em ler uma opinião de alguém que gostou muito de
uma história e, mesmo nas negativas, é possível encontrar alguns pontos com que
aprender e com que melhorar. Mas as coisas nunca são assim tão simples e houve
um ponto em que me apercebi de que acompanhar o que se dizia (ou escrevia)
sobre o meu trabalho acabava por afectar negativamente o meu processo de
escrita, por isso, actualmente, leio muito poucas opiniões.
U.B.C.: Podes contar-nos como foi a tua experiência no mundo
editorial?
C.R.: É... complicado. Tem sido um caminho atribulado, isso é
certo. Houve rejeições e grandes silêncios, mas também houve respostas muito
positivas e a oportunidade de fazer a história chegar aos leitores - e o grande
objectivo era esse. Também houve expectativas que se revelaram muito longe da
realidade e a percepção de que as coisas nem sempre se tornam mais fáceis com o
tempo. Mas também foi um caminho feito de bons momentos e de objectivos
cumpridos, e, até agora, esses compensam amplamente as dificuldades e os
obstáculos.
U.B.C.: E qual a sensação de ter um livro próprio publicado em
mãos?
C.R.: É maravilhoso. Saber que a história tomou forma, que vai
encontrar quem a leia e que, com sorte, talvez possa ser para esses leitores
uma parte do que foi para mim durante o processo de escrita... É simplesmente
isso. Maravilhoso.
Pela Sombra Morrerão (2010) |
U.B.C.: A escrita e a medicina veterinária são compatíveis?
C.R.: Boa pergunta. A verdade é que ainda não exerci a minha
profissão durante tempo suficiente para responder a isso. Mas quero acreditar
que sim, que, num futuro em que esteja a trabalhar, como médica veterinária ou
em qualquer outra profissão, continuarei a encontrar tempo para me dedicar à
escrita.
U.B.C.: Estás a trabalhar em algum projeto?
C.R.: Estou sempre. Mesmo nas alturas em que estou semanas (ou
meses) sem escrever, há sempre uma história (ou várias) a dar voltas na minha
cabeça. Neste momento, para além do romance que está na minha gaveta à espera
da oportunidade de sair, tenho um novo projecto a crescer, aos poucos. Pretendo
que seja um romance em cinco partes, ou cinco histórias que se cruzam, com
protagonistas diferentes, mas com um objecto em comum. Não é a única ideia que
estou a desenvolver, mas é principalmente neste projecto que tenho trabalhado
nos últimos tempos.
U.B.C.: Quem acompanha o teu blog ou te segue no Goodreads
facilmente vê que não só lês em quantidade como em variedade. Achas que isso é
fundamental para o teu crescimento enquanto escritora ou é apenas uma atividade
que aprecias?
C.R.: É um pouco de ambas. Quem me conhece sabe que sou uma
leitora compulsiva e consigo encontrar pontos de interesse nos mais diferentes
géneros literários. Além disso, tenho com a leitura uma relação parecida com a
que tenho com a escrita: consigo perder-me num livro e, durante algum tempo,
viver aquela história como se fosse a minha. Mas também é uma forma de
aprendizagem e julgo que também isso molda o que sou e o que faço.
U.B.C.: Tens ideia de quantos livros tens?
C.R.: Ao certo? Teria de os contar. Mas penso que, neste momento,
a minha biblioteca pessoal rondará os 2500 livros.
U.B.C.: E quando não estás a ler, o que te podemos encontrar a
fazer?
C.R.: Nas circunstâncias actuais, poderiam encontrar-me muito
tempo a ler. Com a questão do desemprego, tenho um sério problema de excesso de
tempo livre. Quando não estou a ler, é possível que esteja agarrada ao
caderninho a escrever alguma coisa, a ouvir música e a organizar alguma ideia
que traga na cabeça ou a divagar pelo campo (uma das vantagens de se viver num
lugar pequeno). Ah, ou então na net, entre os anúncios de emprego e a procura
de coisas interessantes.
Vollüspa (2012) |
U.B.C.: Pensas que a internet tem um papel importante na
divulgação do teu trabalho?
C.R.: Sim, penso que sim. Mesmo não explorando todas as suas
potencialidades, em parte porque o meu lado introvertido tem medo de se estar a
impor e de exagerar na divulgação, penso que a internet permite chegar mais
facilmente até aos possíveis leitores. Abre também algumas boas hipóteses de
interacção, quer entre autores e leitores, quer entre vários autores, o que é
particularmente importante quando se está num lugar relativamente isolado.
U.B.C.: Como imaginas o teu trabalho como autora no futuro?
C.R.: A verdade é que não sei. As coisas podem mudar muito
depressa e também é certo que nem tudo está nas minhas mãos. No que depende de
mim, o plano é continuar a escrever enquanto tiver ideias para desenvolver e
histórias para contar. Quanto ao resto... o futuro dirá.
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