domingo, 13 de maio de 2012

Entrevista a Carla Ribeiro


É com prazer que inauguro o espaço de entrevistas com a ajuda de Carla Ribeiro. Autora portuguesa de Resende, licenciada em Medicina Veterinária, é a mente que deu origem a obras como Senhores da Noite (2010) e Pela Sombra Morrerão (2010), para além de já ter colaborado em diversas publicações, tais como a revista Dagon (2009) ou a antologia de contos Vollüspa (2012).
Leitora ávida, Carla procura ler um pouco de tudos, apesar de confessar ter preferência pelo género fantástico. As suas opiniões literárias podem sem acompanhadas no blog As Leituras do Corvo.
Desde já, fica aqui um agradecimento à Carla por ter aceite esta entrevista com simpatia.


Uma Biblioteca em Construção (U.B.C.): O que é que a escrita significa para ti?
Carla Ribeiro (C.R.): Gosto de pensar que vive num lugar muito especial dentro de mim. Muitas vezes, é um refúgio e uma forma de viver outras vidas quando a realidade se torna demasiado pesada. Quase sempre é um caminho para conhecer cenários e personalidades que não existem no mundo real. De todos os sonhos que tenho ou tive, diria que a escrita é provavelmente o mais querido e o mais especial. Mesmo quando as coisas se complicam, quando quase apetece seguir outro rumo, acabo sempre por descobrir que é algo que preciso de fazer, mesmo quando os resultados acabam por ficar na gaveta.

U.B.C.: Qual é para ti a maior dificuldade neste processo?
C.R.: Tenho uma relação muito próxima com as minhas histórias e com as minhas personagens. Quando estou a escrever, é como se estivesse a viver a vida deles, mas também sei que cada leitor fará uma interpretação diferente da história e que aquilo que eu gosto e com que me identifico não terá o mesmo efeito em todos os leitores. Às vezes, esse conhecimento de que aquela história muito especial e muito amada pode ser mal recebida por quem a lê é um pouco assustador. E a insegurança que isso causa é uma das grandes dificuldades com o meu processo criativo.

U.B.C.: E o que te dá mais prazer na escrita?
C.R.: Perder-me na história e nas personagens que nela habitam. Encontrar-me nos valores que os definem, identificar-me com as fragilidades, rir, chorar e viver com eles e criar-lhes um caminho e um mundo para descobrir. Construir com a imaginação, é esse o lado mais maravilhoso da escrita.

U.B.C.: Quais são as tuas referências literárias?
C.R.: É difícil responder a essa pergunta, principalmente porque escrevo muitas coisas diferentes e houve diferentes descobertas a empurrar-me para esses géneros. Na poesia, a descoberta dos sonetos de Florbela Espanca foi provavelmente a primeira referência a empurrar-me para a escrita. Na prosa os nomes multiplicam-se, mas, se tivesse de apontar os grandes marcos a nível de descobertas literárias, teria de destacar os contos de Edgar Allan Poe, algumas das obras de Marion Zimmer Bradley e, mais tarde, a descoberta da obra de Anne Bishop.
Senhores da Noite (2010)

U.B.C.: As tuas obras têm características muito negras. Porquê este registo?
C.R.: Nem sempre o lado negro e cruel é o elemento que se destaca nas minhas obras (ainda que o seja nas mais recentes), mas há quase sempre algo de sombrio ao longo da história. Isto deve-se, em parte, à percepção que tenho de que todos têm um lado negro escondido algures, que pode ser potenciado ou atenuado pelas circunstâncias da vida, mas também porque, por vezes, é nas situações mais extremas que se revela o melhor e o pior de uma personalidade. Nas minhas histórias, este lado negro pode reflectir-se de uma forma mais global, em que, por razões de sobrevivência ou pela própria natureza do indivíduo, é necessário que sejam as características negativas a sobressair, ou de uma forma mais pessoal, ditada pelas marcas do passado ou por um conflito interior.

U.B.C.: O que fazes quando a musa decide tirar férias?
C.R.: Às vezes, desespero, principalmente naquelas alturas em que as férias se prolongam durante meses. Além disso, a minha musa é uma criatura frágil, às vezes esconde-se por razões tão simples como as inseguranças que falei numa das perguntas mais lá para trás. Uma forma que encontrei para lidar com os amuos da musa é reler o que já escrevi do projecto em mãos. Às vezes, ver o trabalho feito faz despertar uma ideia para o que deve acontecer a seguir e o bloqueio desaparece. Até acontece, por vezes, surgir uma ideia para outro projecto (tenho sempre mais que uma história em curso). Quando isto não resulta... Espero. Há quase sempre uma razão por detrás do bloqueio e, mais cedo ou mais tarde, essa razão acaba por desaparecer ou por perder alguns dos efeitos negativos.

U.B.C.: E como lidas com as críticas ao teu trabalho (quer sejam negativas ou positivas)?
C.R.: Tentei lidar com elas da forma mais construtiva possível. Há qualquer coisa de maravilhoso em ler uma opinião de alguém que gostou muito de uma história e, mesmo nas negativas, é possível encontrar alguns pontos com que aprender e com que melhorar. Mas as coisas nunca são assim tão simples e houve um ponto em que me apercebi de que acompanhar o que se dizia (ou escrevia) sobre o meu trabalho acabava por afectar negativamente o meu processo de escrita, por isso, actualmente, leio muito poucas opiniões.

U.B.C.: Podes contar-nos como foi a tua experiência no mundo editorial?
C.R.: É... complicado. Tem sido um caminho atribulado, isso é certo. Houve rejeições e grandes silêncios, mas também houve respostas muito positivas e a oportunidade de fazer a história chegar aos leitores - e o grande objectivo era esse. Também houve expectativas que se revelaram muito longe da realidade e a percepção de que as coisas nem sempre se tornam mais fáceis com o tempo. Mas também foi um caminho feito de bons momentos e de objectivos cumpridos, e, até agora, esses compensam amplamente as dificuldades e os obstáculos.

U.B.C.: E qual a sensação de ter um livro próprio publicado em mãos?
C.R.: É maravilhoso. Saber que a história tomou forma, que vai encontrar quem a leia e que, com sorte, talvez possa ser para esses leitores uma parte do que foi para mim durante o processo de escrita... É simplesmente isso. Maravilhoso.

Pela Sombra Morrerão (2010)

U.B.C.: A escrita e a medicina veterinária são compatíveis?
C.R.: Boa pergunta. A verdade é que ainda não exerci a minha profissão durante tempo suficiente para responder a isso. Mas quero acreditar que sim, que, num futuro em que esteja a trabalhar, como médica veterinária ou em qualquer outra profissão, continuarei a encontrar tempo para me dedicar à escrita.

U.B.C.: Estás a trabalhar em algum projeto?
C.R.: Estou sempre. Mesmo nas alturas em que estou semanas (ou meses) sem escrever, há sempre uma história (ou várias) a dar voltas na minha cabeça. Neste momento, para além do romance que está na minha gaveta à espera da oportunidade de sair, tenho um novo projecto a crescer, aos poucos. Pretendo que seja um romance em cinco partes, ou cinco histórias que se cruzam, com protagonistas diferentes, mas com um objecto em comum. Não é a única ideia que estou a desenvolver, mas é principalmente neste projecto que tenho trabalhado nos últimos tempos.

U.B.C.: Quem acompanha o teu blog ou te segue no Goodreads facilmente vê que não só lês em quantidade como em variedade. Achas que isso é fundamental para o teu crescimento enquanto escritora ou é apenas uma atividade que aprecias?
C.R.: É um pouco de ambas. Quem me conhece sabe que sou uma leitora compulsiva e consigo encontrar pontos de interesse nos mais diferentes géneros literários. Além disso, tenho com a leitura uma relação parecida com a que tenho com a escrita: consigo perder-me num livro e, durante algum tempo, viver aquela história como se fosse a minha. Mas também é uma forma de aprendizagem e julgo que também isso molda o que sou e o que faço.

U.B.C.: Tens ideia de quantos livros tens?
C.R.: Ao certo? Teria de os contar. Mas penso que, neste momento, a minha biblioteca pessoal rondará os 2500 livros.

U.B.C.: E quando não estás a ler, o que te podemos encontrar a fazer?
C.R.: Nas circunstâncias actuais, poderiam encontrar-me muito tempo a ler. Com a questão do desemprego, tenho um sério problema de excesso de tempo livre. Quando não estou a ler, é possível que esteja agarrada ao caderninho a escrever alguma coisa, a ouvir música e a organizar alguma ideia que traga na cabeça ou a divagar pelo campo (uma das vantagens de se viver num lugar pequeno). Ah, ou então na net, entre os anúncios de emprego e a procura de coisas interessantes.

Vollüspa (2012)
U.B.C.: Pensas que a internet tem um papel importante na divulgação do teu trabalho?
C.R.: Sim, penso que sim. Mesmo não explorando todas as suas potencialidades, em parte porque o meu lado introvertido tem medo de se estar a impor e de exagerar na divulgação, penso que a internet permite chegar mais facilmente até aos possíveis leitores. Abre também algumas boas hipóteses de interacção, quer entre autores e leitores, quer entre vários autores, o que é particularmente importante quando se está num lugar relativamente isolado.

U.B.C.: Como imaginas o teu trabalho como autora no futuro?
C.R.: A verdade é que não sei. As coisas podem mudar muito depressa e também é certo que nem tudo está nas minhas mãos. No que depende de mim, o plano é continuar a escrever enquanto tiver ideias para desenvolver e histórias para contar. Quanto ao resto... o futuro dirá.

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