Título Original: Uprooted (2015)
Autor: Naomi Novik
Tradução: Sérgio Gonçalves
ISBN: 9789897731198
Editora: Saída de Emergência (2018)
Sinopse:
Agnieszka adora a sua pacata aldeia no vale, as florestas e o rio cintilante. Mas o maléfico Bosque permanece na fronteira e a sua sombra ameaçadora paira sobre a vida da jovem.
O povo depende do feiticeiro conhecido apenas por Dragão para manter os poderes de Bosque afastados. Mas o Dragão exige um terrível preço pela sua ajuda: uma jovem deve servi-lo durante dez anos, um destino quase tão terrível como perecer a Bosque.
A próxima escolha aproxima-se e Agnieszka tem medo. Todos sabem que o Dragão irá levar a bela, graciosa e corajosa Kasia, tudo aquilo que Agnieszka não é, e a sua melhor amiga no mundo. E não há forma de a salvar. Mas Agnieszka teme as coisas erradas. Porque quando o Dragão chega, a sua escolha surpreende todos...
Opinião:
É tão bom quando encontramos livros como este. Coração Negro foi uma verdadeira surpresa! Já conhecia a autora devido à série "Temeraire", lida há alguns anos, mas ainda assim estava um pouco incerta quanto ao que ia encontrar. Todos os elementos presentes na sinopse apelaram-me, mas tinha receio de estar perante uma história que não me surpreendesse e que não conseguisse fugir de alguns clichés que atualmente vemos no literatura fantástica, género que tanto gosto. Felizmente não havia motivos para inseguranças e logo nas primeiras páginas fiquei agarrada à leitura.
O início transmite imediatamente uma aura de mistério e medo. E tudo isto é-nos apresentado pelos olhos de Agnieszka, a protagonista desta aventura. É incrível perceber como Agnieszka evolui ao longo desta narrativa. Ao início, surge como uma jovem desajeitada e que vive na sombra da melhor amiga. É fácil sentir simpatia pela sua personalidade aparentemente aluada e pela dedicação que devota aos que mais ama, mesmo que não o demonstre. Com o passar das páginas, percebemos que muitas das características desta jovem escondiam uma verdade oculta, vemos o seu sentido de responsabilidade a aumentar e assistimos ao surgir de uma coragem necessária para enfrentar grandes obstáculos e também para se expor a alguém que temia e que aprendeu a amar. Esta é uma personagem complexa e muito empática.
As personagens secundárias também desempenham o seu papel com eficácia. Gostei muito do Dragão e dos sentimentos contraditórios que ele conseguiu gerar. Existe um misto de indignação quanto à superioridade que ele aparenta e ao tom crítico constante, mas, ao mesmo tempo, vai surgindo uma grande admiração pelo seu lado altruísta e pela forma como se protege dos seus sentimentos. Gostei de Kasia, especialmente a partir do momento em que a autora revelou que todos os sentimentos dela não eram inteiramente louváveis, pois isso fez dela humana. O príncipe e o Falcão, apesar de não gerarem a minha simpatia incialmente, conseguiram redimir-se no momento final e dar uma visão diferente sobre certos assuntos, fazendo-nos recordar que todos os lados de uma guerra acreditam estarem certos e que o mal não é praticado pelo puro mal. Contudo, é preciso salientar que o próprio Bosque, que tanto temor provoca ao longo de toda a obra, acaba por também resultar como uma personagem inesperada e que nos marca.
O Bosque apresentado nesta obra exige uma análise atenta. Não quero fazer grandes revelações sobre este elemento da trama, mas fiquei muito surpreendida com todas as vertentes que a autora criou para o explicar. Ao início, parece um centro de superstição, depois revela-nos perigos inimagináveis e que nos fazem temer sobre a fonte de tudo aquilo. Depois impressiona-nos com a sua origem e faz-nos ficar a pensar nele mesmo quando já não temos o livro nas mãos. Um aplauso à autora por esta ideia e pela sua construção no papel.
O desenrolar da trama está construído com mestria. Senti-me imediatamente presa à história na ânsia de descobrir os mistérios deste mundo. Existem muitos momentos de ação, que me impediam de parar a leitura. As descrições não eram excessivas, mas deixavam perceber bem o ambiente, as personagens e a aura mística que existe nesta terra. Os diálogos são credíveis e, felizmente, não ficaram presos a uma estética mais medieval e cheia de formalidades. Além disso, quando acreditava ter adivinhado o que vinha a seguir, a autora surpreendia com uma reviravolta que mudava tudo. Tudo ingredientes para me cativar.
Foi curioso sentir que a autora foi inspirada pela cultura do leste europeu para criar esta história. Numa pesquisa posterior, percebi que tal se deveu à ascendência polaca de Naomi Novik, que teve contacto com o folclore dessa cultura em tenra idade. Diverti-me com as referências a Baba Yaga, um ser que povou muitos contos que gostava de ler na minha infância. Além disso, todas estas inspirações e alusões podem ajudar a explicar construção de lendas entre este novo povo, assim como a organização social. Este caráter mais pessoal de certo contribuiu em muito na aproximação da autora ao leitor.
Coração Negro revelou-se um livro especial. Através de uma aventura deliciosa, a autora faz-nos pensar sobre como é difícil definir a dicotomia bem e mal. Através desta obra, somos levadas a pensar em como, numa guerra, cada parte acredita ser dona da razão, e em como as ações dos outros muitas vezes mascaram dores do passado. Além disso, Naomi Novik alerta-nos para a injustiça e perigo da discriminação do que é diferente. Temos aqui um livro com uma aventura entusiasmante, personagens carismáticas e lições que podem ser levadas para a vida.
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