Título Original: The Dispossessed (1974)
Autor: Ursula K. Le Guin
Tradução: Fernanda Semedo
ISBN: 9789897730566
Editora: Edições Saída de Emergência (2017)
Sinopse:
A jornada de um homem em busca da reconciliação de dois mundos.
Em Anarres, um planeta conhecido pelas extensas áreas desérticas e habitado por uma comunidade proletária, vive Shevek, um físico brilhante que acaba de fazer uma descoberta científica que vai revolucionar a civilização interplanetária. No entanto, Shevek cedo se apercebe do ódio e desconfiança que isolam o seu povo do resto do universo, em especial, do planeta gémeo, Urras.
Em Urras, um planeta de recursos abundantes, impera um sistema capitalista que atrai Shevek, decidido a encontrar mais liberdade e tolerância. Mas a sua inocência começa a desaparecer perante a realidade amarga de estar a ser usado como peão num jogo político letal.
Que esperança e idealismo restam a Shevek, aprisionado entre dois mundos incapazes de ultrapassar as diferenças? E ao desafiar ambos os regimes políticos, conseguirá ele abrir caminho para os ventos da mudança?
Opinião:
Os Despojados é um daqueles livros que merece e deve ser lido com muita calma e atenção. Ursula K. Le Guin não está apenas a contar uma história de ficção científica, está principalmente a fazer-nos pensar sobre o nosso próprio mundo, sobre a gestão da sociedade, sobre as relações humanas e sobre a relação que temos com nós próprios. Numa primeira vista pode não ser fácil entender todas estas mensagens, mas existem passagens que incomodam no momento em que as lemos, sendo que a narração fica connosco até mesmo quando não estamos a ler.
Somos apresentados a um universos vasto e diverso, com ênfase para dois mundos: um anarquista e outro gerido pelo capitalismo. Ficamos perante dois extremos opostos cuja construção está fascinante. Fiquei bastante impressionada com Anarres, um planeta árido e agressivo. Ursula K. Le Guin faz acreditar que uma anarquia harmoniosa é possível. Ao início, é difícil perceber tal organização social, uma vez que não existe qualquer governo, mas depois somos levados a pesar a questão da pressão dos pares e em como isso afecta as nossas condutas e decisões. A necessidade de ser aceite pelos outros consegue ser mais forte do que as leis.
Shevek é o protagonista desta obra. Ele é produto da sociedade em que nasceu e cresceu, mas também consegue ir para além disso. Shevek representa as pessoas com coragem suficiente para serem quem realmente são, para questionar e querer ir mais além do que é imposto. É curioso que, quando faz isso, é chamado de egoísta, mesmo quando as suas intenções são para o bem comum e não para seu próprio benefício. Prova disso são os riscos que toma e as posições complicadas em que se coloca. O altruísmo e conhecimento não devem ser então confundidos com o ego, nem o ego é algo necessariamente maligno. Quanto mais exploramos o funcionamento desta sociedade mais falhas encontramos, afinal a humanidade não é perfeita.
A criação de um instrumento que permite a comunicação entre diferentes mundos em tempo real é o que faz desenvolver a narrativa. Em capítulos intercalados, somos apresentados à vida de Shevek até ao momento da sua descoberta e, ao mesmo tempo, assistimos à sua entrada num novo mundo, muito diferente daquele em que nasceu e tornou-se homem. Gostei da forma como Shevek analisou o contraste entre Anarres e Urras e das conclusões que tirou. Faz-nos pensar que o belo não equivale ao que é bom e que a comunicação pode ser uma arma, tanto para unir como para criar discórdia e dar poder a quem a gere.
A noção de liberdade e a sua definição é uma das grandes reflexões desta obra. Shevek procura ser livre para seguir o seus estudos e para os transmitir aos outros, tendo em vista o bem comum, mas encontra sempre obstáculos no seu percurso. Num lado, parece existir a utopia final de sociedade livre, mas Shevek percebe que tal não acontece quando tenta dar a conhecer o seu trabalho. São muito poucos aqueles que aceitam a novidade das suas ideias e desafios. No outro, Shevek percebe que lhe é oferecida uma ilusão de liberdade, já que percebe que a maioria da população sobrevive com muitos limites e que a minoria com poder tem intenções secretas quanta ele. Isto faz-nos pensar o que é realmente a liberdade e em que tipo de sociedade esta pode ser encontrada.
Sabemos que estamos perante uma grande obra quando sentimos que a sua mensagem não morre e continua a ser pertinente e actual. É isso mesmo que acontece com Os Despojados. Apesar de ter sido escrito na década de 70 do século XX, como reflexão sobre a realidade da época, é possível fazer analogia com os nossos tempos e continuar a encontrar reflexões que continuam a fazer sentido. Gostei muito de ler esta obra e fico feliz pela oportunidade de ela finalmente ter chegado às minhas mãos. Espero voltar a lê-la daqui a uns anos e descobrir novas mensagens. Acredito que isso vai acontecer.
Outras opiniões a livros de Ursula K. Le Guin:
O Feiticeiro e a Sombra ("O Cliclo de Terramar" #1)
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