Célia Correia
Loureiro é licenciada em Informação Turística pela Escola Superior de
Hotelaria e Turismo do Setorial, mas garante que a sua vocação é a escrita. Nascida
em Almada, em 1989, começou a criar histórias desde muito cedo. Com duas obras
publicadas através da Alfarroba, a autora pretende continuar a levar os
leitores a viajar consigo através de tramas emocionantes.
Um forte agradecimento à Célia pela sua disponibilidade e
simpatia.
Uma Biblioteca em Construção (U.B.C.) - O que é que a escrita significa para
ti?
Célia Correia Loureiro (C.C.L.) - Um
escape, um mundo paralelo onde posso dispôr das coisas, das pessoas, dos
sentimentos delas e da natureza a meu bel-prazer. É poder, um poder limitado,
porque só existe por entre as páginas de um livro, mas ainda assim intenso e
satisfatório.
U.B.C. - Como é que um curso ligado à área de
Turismo e Hotelaria se liga e a escrita se ligam?
C.C.L - O
curso proveio, certamente, do meu anjinho da guarda. Isto porque eu não fazia
ideia do que queria fazer da minha vida ou daquilo para que poderia,
eventualmente, ter jeito. Gostava (e gosto) de História, de línguas, de
lugares. Na escrita conseguia conjugá-los todos, mas não outras necessidades
mais “básicas”, como sejam comer ou viver. Na escrita não se vive, reflecte-se
sobre a vida ou criam-se vidas alternativas. Mas não se “vive”. E eu precisava
de viver para escrever, daí que não faça sentido, para mim, um full time na escrita,
mesmo que pagasse.
U.B.C. - Quando começaste a escrever com o
objetivo de publicar?
C.C.L - É
difícil de identificar um momento. Sempre escrevi. Quando me sentei pela
primeira vez em frente a um computador, lá para 1997/8, não pedi para me porem
jogos. Perguntei “Isto dá para escrever?”. Acho que as pessoas ao meu redor que
sabiam desse hábito tinham mais desejo de ver-me publicada do que eu própria. Porque
eu era um pouco insegura em relação ao interesse que os outros poderiam ter
naquilo que eu punha cá para fora. “Já procuraste uma editora?”, “Quando é que
publicas um livro?”. Quando esse desejo se tornou mais meu do que deles comecei
a mexer-me, mas confesso que aos 17 ou 18 anos se deve esperar. Eu devia, fui
recusada, como é evidente, e hoje agradeço ao universo por ter planeado tudo
desse modo. Não seria tão apreciada hoje se a minha primeira obra tivesse sido
uma daquelas que escrevi em 2006. Mas acho que é justo dizer que nunca pensei,
como hoje ainda não penso “quero ser escritora”, ou nessa altura nem sequer
pensava em escrever coisas “publicáveis”, tirava e tiro prazer da escrita como
qualquer artista de rua tira da sua arte. Só que agora sei que há pessoas que
também retiram algo do que escrevo e sinto essa pressão de cumprir as
expectativas de quem me lê e apoia.
(2011) |
U.B.C. - Podes explicar como foi o processo de
publicar Demência?
C.C.L - Foi
complicado encontrar uma editora disposta a apostar numa autora nova. Na altura
fiquei com a ideia de que fui “escolhida” porque apresentei umas três ou quatro
obras - de qualidade dúbia, algumas - e viram que havia alguma consistência. Isto
é; a cada nova obra conseguia melhorar algo em relação à anterior. É o que
gosto de pensar, que tenho potencial para crescer mais (no que escrevo, não na
literatura, embora quem saiba ambas se entrelacem). E deram-me essa hipótese.
Apostámos juntos, porque dar a cara por uma obra também não é tão fácil quanto
se possa julgar. Foram muito abertos às minhas sugestões - e vice-versa. A
capa, inclusive, é uma fotografia da minha autoria.
U.B.C. - E quanto ao O Funeral da Nossa Mãe? Foi
mais fácil?
C.C.L - Sim,
foi. Porque já havia uma relação de confiança mútua entre mim e a editora. Já
sabíamos o que esperar uns dos outros, já conhecíamos o nosso modo de funcionar
e ambos nos forçámos por aperfeiçoar ainda melhor este livro - revisão, design,
tudo. Fui eu que disse que tinha outro livro na gaveta e a editora recebeu-o
bem, sendo honesta quanto à sua apreciação do mesmo e dos pontos em que deveria
melhorar. Foi um processo mais calmo, mas nem por isso menos emotivo.
U.B.C. - O que te deu mais prazer em publicar
estes livros?
C.C.L - Escrever
um livro é um trabalho solitário e, por vezes, incompreendido. Parece trabalho
deitado à rua em troca de nada. Na minha passagem de ano vou levar livros para
fazer pesquisa, o portátil e os óculos. Tudo elementos que deveriam ficar em
casa, mas eu preciso de trabalhar. Quem me estabeleceu essa urgência e esses
prazos sou eu mesma. Quero trabalhar exaustivamente no livro actual até o
elevar ao melhor que as minhas capacidades e recursos me permitem neste
momento. Mas publicá-lo é sair desse isolamento, pôr em suporte físico aquilo
que é notável que me rouba tantas horas. É o resultado da soma dos meus
alheamentos e ausências e tardes na biblioteca. E ter pessoas que não me
conhecem mas a quem os meus livros tocaram a contactar-me, é por demais
gratificante! Devo-lhes essas horas e, por fim, juntamo-nos todos no livro
(físico) e trocamos impressões. Não tem paga.
U.B.C. - Quais foram as principais dificuldades?
C.C.L - Chegar
à qualidade que eu própria considerava mínima para lançar algo para o colo das
pessoas e ir buscar-lhes dinheiro ao bolso - isto é, não queria ficar com a
ideia de que as pessoas estavam a atirar dinheiro à rua, porque sou muito self
conscient quanto ao que vale a pena, ou não, investir, bem como à qualidade do
que escrevo e ao modo como se inserem no mercado livreiro disponibilizado pelas
editoras. Mas depois de ler algumas obras de autores nacionais de “renome”,
convenci-me que não era nem de sombras tão má e talvez pudesse safar-me nisto
de agradar aos leitores.
U.B.C. - E qual foi a sensação de ter o primeiro
livro nas mãos?
C.C.L - Inexplicável.
Não sei porquê mas emocionei-me mais com o segundo - mesmo sendo segundo e a
capa do primeiro tendo sido fotografada pelo mim. Acho que é assim porque,
quando lancei o primeiro, tive receio de que fosse tudo fruto do acaso e da
sorte. Com o segundo percebi que é a sério, não foi um devaneio.
U.B.C. - Como está a ser lidar com as críticas?
C.C.L - Como
em tudo na vida; após a filtragem do "construtiva/meramente
ofensiva", pego no que me dizem e tento melhorar. Tomei muita atenção ao
que me tem sido dito, o meu objectivo é encontrar o leitor a meio caminho. Isto
é se fizer uma frase demasiado grande, retalho-a para não o maçar, mas direi
exactamente a mesma coisa. Em geral recebi críticas muito construtivas que me
ajudaram a repensar o que escrevo e a colocá-lo do melhor modo, a fim de que o
leitor tire tanto prazer da leitura da obra quanto eu tirei da sua construção,
mas não posso vergar-me completamente ao que me é dito, ou comprometeria a
minha quota de criatividade e alegria na tarefa
U.B.C. - Quais pensas serem as tuas principais
características como autora?
C.C.L - Eu gosto de
escrever sobre vidas banais - erros, caminhos, decisões difíceis, acaso,
destinos, amores, enganos, desilusões, choque de interesses. Não procurem o bom
e o mau nos meus livros, porque não acredito na ditadura do preto e do branco.
Encontrarão um mundo de cinzentos que oscilam - provavelmente vão amar e odiar,
em simultâneo, as minhas personagens. Elas erram, pagam pelos erros
(voluntariamente ou não). Dizem que sou muito descritiva - eu gosto disso,
porque também quando leio preciso de saber onde tenho os pés. Tento conter-me
nesse campo, mas contem com alguma descrição. Gosto do passado, estes dois
romances publicados debruçam-se sobre o modo como o que ficou para trás trouxe
as personagens até à actualidade. Contem com algumas amarguras e amores
trocados também.
(2012) |
U.B.C. - Quais são as principais inspirações para
o teu trabalho literário?
C.C.L - A vida e as pessoas
ao redor, mais do que tudo. Ou talvez os segredos e as hipocrisias e as
confissões. É dessas coisas - as indizíveis - que gosto de falar. Soarei maluca
se admitir que, por exemplo para O Funeral da Nossa Mãe, só ganhei impulso para
escrevê-lo porque sonhei com um episódio da história? Isto é, eu sabia que
queria fazer esse livro mas ainda não tinha conexão emocional a ele. E então
acordei angustiada com esse sonho esquisito que tive, e finalmente tinha esse
clique para escrever o livro. Se calhar estou a ser vaga mas o sonho punha-me
numa posição em que gostava muito de alguém, e essa pessoa de mim, mas não
podíamos estar juntos e a culpa era nossa; simplesmente não funcionava. E foi
assim que eu soube exactamente o que a Carolina iria sentir nessas 430 páginas
do romance. E lugares - os lugares que o nosso país desconcertam-me, espero
viver para fazer jus a todos.
U.B.C. - De que forma é que a internet tem ajudado
na divulgação dos dois livros?
C.C.L - A internet
aproximou-me dos leitores e, desse modo, sinto que ganhei também amigos,
conhecidos e caras familiares nos vários cantos do país (e Angola, e Suíça e
Alemanha e até Brasil) e, por isso mesmo, gosto de sentir que estou acessível
para quem quer que queira dirigir-se-me a respeito da escrita.
U.B.C. - Quais são os teus autores de referência?
C.C.L - Margaret Mitchell
(E Tudo o Vento Levou), Emily Brontë (O Monte dos Vendavais), Anita Shreve (A
Praia do Destino) e houve uma altura em que me senti puxada para o místico pela
Joanne Harris (Chocolate).
U.B.C. - Para além da ligação à escrita e à
literatura, quais são os outros hobbies que ocupam o teu tempo?
C.C.L - Adoro fotografia,
viagens (conhecer o meu país é tão bom!) pintar e, claro, ler!
U.B.C. - Existe algum projeto literário em curso?
C.C.L - Existe um “mega”
projecto literário em curso. Na última entrevista em que me colocaram esta
questão expliquei que estava a escrever uma trilogia (temporáriamente conectada
pelo signo do vinho, produto tão português), e que comecei por escrever o
volume III, estava a acabar o II (que terminei e está agora em fase de revisão)
e só me faltava o I. Entretanto, devido ao rumo inesperado que o II tomou,
escreverei um novo entre o II e o III. Serão agora IV volumes. São romances
históricos: I - 1755 (Terramoto de Lisboa), II - 1809 (Invasões Franceas), III
- 1832 (Guerra Civil) e o IV - 1910 (Implantação da República). Títulos finais
em desenvolvimento.
U.B.C. - Que desejas vir a alcançar no mundo
literário?
C.C.L - Espero
receber, em troca, risos, lágrimas, abraços, cartas de leitores, mensagens de
apoio e de entusiasmo, críticas construtivas, palavras de identificação e
compreensão para com os meus enredos. Isto é, aliás, o que já tenho vindo a
ter. Mas não vou mentir: se pudesse alcançar um maior raio de leitores
beneficiaria muito disso, ficaria muito orgulhosa de mim própria e teria mais
motivação ainda para continuar a dar às teclas.
Opiniões do blog a obras de Célia Correia Loureiro:
2 comentários:
Parabéns pela entrevista e parabéns à Célia!
Deveriam corrigir o "começas-te" de uma das questões, que é inadmissível, sobretudo num blog com este título.
Cumprimentos,
Ana
Obrigada pela chamada de atenção Ana. Erro corrigido!
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