segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Opinião: O Artista da Morte

Autor: Daniel Silva
Título Original: The Kill Artist (2000)
Tradução: Vasco Teles de Menezes
ISBN: 9789722524605
Editora: Bertrand Editora (2008)

Sinopse:

Gabriel Allon foi em tempos um importante agente dos serviços secretos israelitas, mas agora só pensa em fugir do seu passado para viver uma vida tranquila como restaurador de arte. No entanto, o seu antigo mentor fá-lo regressar ao ativo para neutralizar Tariq, o terrorista palestiniano responsável pelo atentado que destruiu a família de Gabriel anos antes em Viena. Mas Gabriel não está sozinho: a sua parceira na missão é Jacqueline Delacroix, uma agente israelita oculta sob a sua própria máscara de modelo e com quem já trabalhara anos antes. É então forçado a lidar com os seus fantasmas e, sobretudo, com a culpa que o atormenta desde que quebrou todas as regras e se envolveu com Jacqueline no decorrer de uma missão. Aquilo que começa como uma caça ao homem torna-se um duelo que atravessa o globo e é alimentado pela intriga política e por intensas paixões pessoais. Num mundo onde o sigilo e a duplicidade são absolutas, a vingança é um luxo sem preço e a maior das obras de arte.

Opinião:

O Artista da Morte é o primeiro livro que leio de Daniel Silva. Confesso que não foi fácil entrar nesta história, talvez porque nos primeiros capítulos não se acompanha de forma directa o protagonista, Gabriel Allon. É através da visão de uma criança que vamos percebendo o que ele é e o que ele faz, pelo menos enquanto não está a trabalhar para os serviços secretos israelitas. O facto de esta fase demorar algum tempo faz com que não seja possível criar rapidamente empatia com Allon. Para além disso, o facto de nos serem apresentadas algumas personagens fez-me sentir um pouco perdida na narrativa. Felizmente, quando surgem os capítulos que são descritos sob o ponto de vista do protagonista e quando finalmente se consegue ligar todas as figuras apresentadas, tudo fica diferente e a leitura torna-se compulsiva.

Gabriel Allon não é um homem fácil de aceitar. Ao início pode parecer muito fechado, mas conforme a história vai avançando, dá a entender que se trata de alguém com um passado forte e doloroso. É interessante verificar o quanto a sua história o afecta. As suas acções e decisões passadas foram tomadas tendo como base uma ideologia. Contudo, verifica-se que esta ideologia perdeu a sua força quando chegaram as consequências. Gabriel Allon é então um homem atormentado, resultado de uma soma de decisões que agora percebe não terem sido as melhores. Quando me apercebi deste seu lado, senti-me mais ligada a este protagonista e entendi melhor os seus silêncios e hesitações.

Existiram outras figuras que me atraíram. Jacqueline foi uma das personagens que mais gostei. Não sei se foi pelo facto de ser a única mulher relevante na trama que me fez ficar tão cativada por ela, mas acho que não. O autor deu-lhe um passado relevante e motivações que prendem a atenção. A sua função acaba por ser determinante, o que faz com que ela se coloque em situações de grande interesse para o avançar da trama. Tariq revelou ser um vilão que tanto nos faz provoca medo como curiosidade devido à sua personalidade peculiar. Shamron revela-se muito mais do que um agente sénior e acabou por me surpreender.Também fiquei bem impressionada com a breve aparição de Arafat. Foi breve, mas forte.

Existe um clima de mistério e conspiração em toda a leitura. É curioso constatar que esse mesmo clima fica mais intenso quanto mais é desvendado. Afinal, quantos mais dados o autor nos fornece, mais nós percebemos a profundidade do caso que está a ser tratado. Isto é muito interessante, pois faz perceber as relações internacionais e a política podem ser tão complexas, muito mais do que aquilo que nos é apresentado através de órgãos de comunicação e mesmo do que podemos, por vezes, imaginar.

O tema principal desta trama é o conflito entre Israel e Palestina. A abordagem dada foi muito intrigante e também informativa. Gostei que o autor conseguisse abordar ambos os lados deste conflito com justificações e condenações. Dá para entender que o autor é adepto da aceitação da diferença e contra qualquer ideia extremista. Fiquei ainda bem impressionada com o facto de que, se ao início apresenta o lado de Gabriel Allon como o "bom" e o contrário como o "mau", no final acaba por mostrar que ambas as posições são feitas de humanos que sofrem, amam, sonham e cometem erros.

Apesar das dificuldades iniciais com o entendimento do enredo, a escrita de Daniel Silva acaba por se revelar simples, voltada para a acção e exposição informativa. As descrições só existem quando são necessárias, sendo mais evidentes em momentos de espionagem (uma nota: os momentos passados em Lisboa estão muito bem apresentados. Sente-se o espírito da nossa capital, o que é de uma grande satisfação). Os diálogos estão bem conseguidos e parecem reais. Os capítulos pequenos acabam por ser mais um motivo para que a leitura seja feita com relativa fluidez.

Pode ser um livro que demora a arrancar, mas quando o faz agarra para uma leitura rápida e interessante. Através de O Artista da Morte, Daniel Silva convenceu-me de que é capaz de criar intrigas apelativas e personagens complexas, ao mesmo tempo que aborda conflitos tão pertinentes do mundo actual. Vou passar a ter mais atenção a este autor.

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