terça-feira, 18 de agosto de 2020

Opinião: 10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho

 Título Original: 10 Minutes 38 Seconds in This Strange world (2019)
Autor:
Elif Shafak
ISBN: 
9789722365734
Editora: Editorial Presença (2020)

Sinopse:

 No primeiro minuto que se seguiu à sua morte, a consciência de Leila Tequila começou a abrandar, lenta e firmemente, como uma maré a recuar para a costa. As suas células cerebrais, tendo ficado sem sangue, estavam agora completamente privadas de oxigénio. Mas ainda não se tinham desligado. Não de imediato. Uma última reserva de energia ativara inúmeros neurónios, ligando-os como se fosse a primeira vez. Embora o coração tivesse parado de bater, o cérebro estava a resistir, um combatente até ao fim… 

Para Leila, cada minuto após a sua morte traz consigo uma recordação sensual: o sabor do guisado da cabra sacrificada pelo pai, para celebrar o nascimento de um filho há muito esperado; a visão de panelões borbulhantes com uma mistura de limão e açúcar, que as mulheres usam para depilarem as pernas, enquanto os homens se encontram na mesquita; o aroma a café de cardamomo que Leila partilha com o estudante atraente, no bordel onde trabalha. Cada recordação também traz consigo os amigos que fez em cada momento importante da sua vida – amigos que agora estão desesperados para a tentar encontrar…

Opinião:

10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho apanhou-me de surpresa. Escrito por Elif Shafak e publicado pela Editorial Presença, este livro impulsiona uma leitura rápida e interessada  numa história que está dividida em três partes: mente, corpo e alma. E que pertinente é esta divisão, tendo em conta que estamos a falar sobre o fim de uma vida.

A premissa inicial desta obra assenta nos estudos que demonstram que a mente humana poderá manter um período de atividade após ser declarada a morte. A narrativa começa com Leila, uma prostituta de Istambul, que se encontra sem vida mas ainda consciente. Nestes últimos momentos, os pensamentos da protagonistas divagam por momentos fulcrais que viveu, desde o nascimento até ao próprio fim. Aqui estamos no campo da mente. É ao longo destes 10 minutos e 38 segundos de consciência que surgem memórias que falam de desigualdade, injustiça, dor, amor, rejeição, traição, desespero, gentileza, solidariedade, oportunismo e amizade. Curioso que, numa vida repleta de adversidades, foi na amizade que Leila encontrou a beleza e a alegria em viver.

É que Leila rodeou-se de cinco pessoas especiais. Cinco amigos que também viveram as suas adversidades, que também têm histórias impressionantes e que também conseguiram encontrar uma luz num mundo obscuro a partir do momento em que se encontraram uns aos outros. O papel de cada um é desenvolvido na divisão destinada ao corpo, ao que é material, palpável e deste mundo. Já o campo da alma apela às nossas crenças, esperanças e sentimentos mais profundos.

Fiquei rendida às personagens, que criam empatia imediata. Este grupo de desfavorecidos sensibiliza para uma dura realidade presente em culturas bem próximas, nas quais as mulheres continuam a não ter voz. Ao mesmo tempo. É de admirar a força que estas figuras tiveram para lutar pela sobrevivência. Ainda mais admirável é perceber que nunca pararam de ousar sonhar por felicidade. No final, torna-se comovente ver como a união que construíram se tornou tão especial e bela.

Com este livro, Elif Shafal cumpre dois objetivos. Por um lado apresenta o lado mais obscuro de Istambul e chama a atenção para as desigualdades, preconceito, preversão, oportunismo e injustiça existente. Por outro encanta-nos com personagens belíssimas que nos provam que é possível encontrar algo de bom, inspirador e louvável em histórias pesadas e duras. Sim, as mulheres são fortes, capazes de superar as maiores adversidades e de voltar a sorrir após tanto sofrimento. E tudo é mais fácil quando temos amigos ao nosso lado. 

 


Sem comentários: