sábado, 20 de janeiro de 2018

Opinião: Pecados Santos

Autor: Nuno Nepomuceno
ISBN: 9789898886101
Editora: Cultura Editora (2018)

Sinopse:

Nas comunidades judaicas de Londres e Lisboa, ocorre uma série de homicídios, todos eles recriando episódios bíblicos. Atos bárbaros de antissemitismo ou de pura vingança? Um rabino é encontrado morto numa das mais famosas sinagogas de Londres. O corpo, disposto como num quadro renascentista, representa o sacrifício do filho de Abraão, patriarca do povo judeu. O caso parece ficar encerrado quando um jovem professor universitário a lecionar numa das faculdades da cidade é acusado do homicídio. Descendente de portugueses, existem provas irrefutáveis contra si e nada poderá salvá-lo da vida na prisão.
Mas é então que ocorrem outros crimes, recriando episódios bíblicos em circunstâncias cada vez mais macabras. E as dúvidas instalam-se. Estarão ou não estes acontecimentos relacionados? Poderá o docente vir a ser injustamente condenado? Porque insistirá a sua família em pedir ajuda a um antigo professor, ele próprio ainda em conflito com os seus próprios pecados? As autoridades contratam uma jovem profiler criminal para as ajudar a descobrir a verdade. Mas conseguirá esta mente brilhante ultrapassar o facto de também ela ter sido uma vítima no passado? Abordando temas fraturantes da sociedade contemporânea como o antissemitismo e o conflito israelo-árabe, e inspirando-se nos Dez Mandamentos e noutros episódios marcantes do Antigo Testamento, Pecados Santos guia-nos através das ruas históricas de Londres, Lisboa e Jerusalém, numa viagem intimista e chocante sobre o que de mais negro e vil tem a condição humana.

Opinião:

As aventuras de Afonso Catalão continuam em Pecados Santos. Esta personagem que nos foi apresentada em A Célula Adormecida está de regresso, mas engana-se quem pensa que esta nova história já não consegue surpreender. É que consegue. Mesmo. Para começar, aviso desde já que não é necessária a leitura do volume anterior para se perceber a narrativa deste. Claro que ajuda, mas o autor consegue distanciar esta trama da anterior e ainda explicar aspectos necessários para que ninguém se sinta perdido.

A religião volta a ser tema dominante, mas desta vez Nuno Nepomuceno deixou de parte o Islamismo para se concentrar no Judaísmo. Logo ao início, conseguimos perceber que o autor executou um extenso trabalho de pesquisa para esta obra. Logo nas primeiras páginas assistimos a uma aula relativa ao Médio Oriente que nos fornece dados sobre a origem desta religião, seus princípios e figuras centrais. Gostei bastante deste momento, no qual aprendi dados novos sem me sentir aborrecida em momento algum.

Devido aos seus conhecimentos, Afonso Catalão volta a ver-se envolvido numa investigação que, numa primeira análise, parece nada ter a ver com ele. Contudo, é curioso ver como o nosso professor acaba por ficar ligado a esta situação devido a aspectos passados da sua vida pessoal. Assim sendo, percebemos que este protagonista ainda tem muitos segredos para desvendar. O pacato estudioso que cativa facilmente pela sua bondade, empatia e conhecimento faz-nos duvidar da legitimidade de todas as suas acções. Isto torna-o mais complexo e cativante.

O desenrolar da narrativa apela a uma leitura interessada e intensa. Quando achamos ter encontrado uma resolução, depressa surge um novo obstáculo que provoca uma mudança na linha do pensamento. E além de sermos surpreendidos com diversos crimes é ainda impressionante ver como estas mortes acabam por despoletar tensões reprimidas do passado. O mistério é uma constante, com o autor a oferecer-nos pequenas pistas para, mais à frente, nos mostrar que afinal nos estava a iludir e apontar um novo e inesperado caminho.

Quero ainda destacar algumas brincadeiras que podem ser encontradas ao longo desta obra. Quem teve a oportunidade de ler outros livros do autor vai ficar deliciado com algumas referências a essas histórias. Um certo espião pode fazer uma passagem muito breve e até o próprio Nuno Nepomuceno pode ser mencionado a certa altura. Tudo isto provoca sorrisos e prova que o autor não só sabe criar boas histórias como ainda tem a capacidade de brincar com o próprio trabalho.

As descrições são bastante fortes. Somos transportados para os locais da acção com as nossas mentes a conseguirem criar facilmente imagens bem reais de tudo o que está a acontecer. As personagens apresentam uma evolução, apesar de continuar a querer saber mais sobre outras figuras secundárias, nomeadamente o irmão do protagonista e o oficial do SIS. Os diálogos acrescentam dinamismo à leitura, mas existem certos momentos em que o tipo de linguagem utilizada pelos seus intervenientes parece mais formal do que seria esperado.

Pecados Santos supera as expectativas. Um thriller intenso que é lido com vontade e que provoca a reflexão sobre o poder da fé e da vingança. Sente-se a adrenalina da aventura e, ao mesmo tempo, é-nos dada uma visão mais ampla da sociedade em que vivemos graças à explicação das crenças de uma comunidade pequena, mas bastante significativa no nosso país. Através desta obra escrita com mestria, o autor volta a provar que deve e merece ser acompanhado. Claro que recomendo.


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