quarta-feira, 28 de março de 2018

Opinião: Um Estranho Numa Terra Estranha - vol. 1

Título Original: Stranger in a Strange Land (1961)
Autor: Robert A. Heinlein
Tradução: Jorge Candeias
ISBN: 9789897730924
Editora: Saída de Emergência (2018)

Sinopse:

Há vinte e cinco anos, a primeira missão a Marte terminou em tragédia e todos os tripulantes morreram. Mas, na verdade, houve um sobrevivente. Nascido na fatídica nave espacial e salvo pelos Marcianos que o criaram e lhe ofereceram uma nova vida, Valentine Michael Smith nunca viu um ser humano até ao dia em que é descoberto por uma segunda expedição a Marte.

Ao regressar à Terra, vê-se pela primeira vez entre o seu povo. Começa então um percurso de aprendizagem dos códigos sociais e preconceitos da natureza humana, totalmente alienígenas para a sua mente. Nesse processo de descoberta e integração, Valentine irá partilhar com a Humanidade os rituais sagrados que aprendeu em Marte e retribuir com as suas próprias crenças sobre o amor e o sentido da vida. Mas conseguirá alguma vez deixar de se sentir um estranho numa terra estranha?

Opinião:

Não imaginam há quanto tempo desejava ler este livro. Procurei uma edição em português, mas sem grande sucesso. Por isso, nem imaginam o quão feliz fiquei quando no Fórum Bang!, realizado em Outubro do ano passado, foi anunciado que as Edições Saída de Emergência iam publicar uma nova versão desta obra. Curiosamente, quando o livro me chegou às mãos, não consegui logo começar a lê-lo. Afinal, e se as minhas expectativas eram demasiado altas? E se o livro se revelasse algo muito diferente do que esperava e eu ficasse desiludida? Aviso já: não fiquei nada. Mesmo nada!

Logo ao início percebesse que Robert A. Heinlein tem uma forma muito particular de apresentar as suas ideias. Os dados que precisamos para perceber a narrativa não são fornecidos de forma directa, uma vez que o autor prefere sempre dar uma visão geral sobre determinada situação para só depois nos explicar algo mais concreto. Esta técnica pode parecer aborrecida quando explicada assim, mas garanto que em momento algum me senti aborrecida durante a leitura. É que Heinlein não é só muito preciso na apresentação das suas ideias como ainda o faz de forma cativante. Assistir ao enquadramento de um acontecimento é saber mais sobre o funcionamento do mundo e sobre a mente das personagens que nos são apresentadas. Garanto, assim, que a leitura deixa a nossa mente desperta e nos fascina pela complexidade e credibilidade do que é apresentado. E tudo feito numa linguagem actual e fácil de entender.

Nesta obra, deparamo-nos com a ideia de que um homem cresceu em Marte entre marcianos e como se fosse um ser daquele planeta. É curioso verificar que ele pensa e se sente como marciano, apesar de saber que é diferente devido ao seu corpo. Já na Terra, ele encontra seres iguais a ele, mas não se sente humano pois não compreende a humanidade. É intrigante pensar em como seria estar no lugar de Smith, sem se ser capaz de integrar inteiramente em qualquer comunidade. Ser sempre um estranho.

O autor fez um trabalho excepcional ao afastar um ser humano de toda a cultura terrena. A primeira impressão é a de que Valentine Michael Smith é uma pessoa fragilizada pelas condições em que nasceu e cresceu. A forma como ele se relaciona com os outros, com o meio que o envolve, com a própria vida faz-nos reflectir sobre o que tomamos como garantido e sobre se isso é realmente a única opção certa e verdadeira. Com o decorrer da leitura, percebemos que este homem estranho não é inferior a qualquer outro, sendo surpreendente perceber que, afinal, ele pode estar a dar-nos uma lição valiosa sobre o que é realmente importante na nossa existência.

Este homem que vem de Marte é apresentado como ingénuo, pacífico, extremamente inteligente e dedicado a quem se dá. Todos os que o rodeiam sentem-se impressionados com esta diferença e, aos poucos e poucos, começam a sofrer pequenas alterações na forma como pensam sobre a existência humana. Claro que nos sentimos intrigados com ele, havendo sempre vontade de compreender as suas motivações e linhas de pensamento, mas sem nunca conseguir lá chegar completamente (ou terei de dizer sem grocar"?).

Destaco ainda o papel de Jubal ao longo desta trama. A par do protagonista, é uma das personagens mais fascinantes. É nele que se centram muitos momentos de relevo para o avançar da história, uma vez que surge como protetor de Valentine Michael Smith. Ao início, pode parecer um homem algo bizarro e que vive de uma forma pouco comum, mas a forma directa como aborda todos os assuntos, inteligência e humor levam-nos a ficar presos nas suas ideias e argumentos. Destaco um diálogo de Hubal com Duke muito relevante e atual sobre a aceitação da diferença no outro (para não mencionar e desvendar muitos outros momentos impressionantes desta personagem ao nível da retórica).

O aparecimento de Valentine Michael Smith na Terra dá origem a uma série de acontecimentos ao nível mundial.  Questões de poder são levantadas, o que deixa o protagonista em situações de perigo, mesmo que nem sempre tenha noção disso. Assim se percebe que muitas vezes vemos o que é diferente como ameaça, havendo também que sempre procure uma forma de obter benefícios com aqueles que aparentam qualquer tipo de fragilidade.

Valentine Michael Smith acaba por se revelar uma chamada de atenção para o nosso código de conduta. Esta personagem faz-nos reflectir sobre a hierarquia de valores que possuímos, sobre o que é realmente importante para a construção da felicidade e sobre o que podemos dar aos outros para tornar o mundo em que vivemos num local melhor. Existe ainda uma mensagem de respeito por todas as formas de vida, além de é analisada a dimensão do amor ao outro. Tenho pena que esta obra tenha sido dividida, de forma a não poder ler já a continuação, uma vez que estou muito entusiasmada com a leitura e curiosa para saber o que vem a seguir. Mas estou feliz por a espera ter valido a pena: este livro é mesmo bom!

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