sexta-feira, 25 de maio de 2018

Opinião: Fahrenheit 451

Título Original: Fahrenheit 451 (1953)
Autor: Ray Bradbury
Tradução: Casimiro da Piedade
ISBN: 9789897731068
Editora: Saída de Emergência (2018)

Sinopse:

Guy Montag é um bombeiro. O seu emprego consiste em destruir livros proibidos e as casas onde esses livros estão escondidos. Ele nunca questiona a destruição causada, e no final do dia regressa para a sua vida apática com a esposa, Mildred, que passa o dia imersa na sua televisão.
Um dia, Montag conhece a sua excêntrica vizinha Clarisse e é como se um sopro de vida o despertasse para o mundo. Ela apresenta-o a um passado onde as pessoas viviam sem medo e dá-lhe a conhecer ideias expressas em livros. Quando conhece um professor que lhe fala de um futuro em que as pessoas podem pensar, Montag apercebe se subitamente do caminho de dissensão que tem de seguir.
Mais de sessenta anos após a sua publicação, o clássico de Ray Bradbury permanece como uma das contribuições mais brilhantes para a literatura distópica e ainda surpreende pela sua audácia e visão profética.

Opinião:

Já há muito que sentia curiosidade quanto a este livro que tantas vezes me foi aconselhado. Contudo, a oportunidade para o ler surgiu apenas agora, graças à nova edição da Saída de Emergência. Saltei rapidamente para esta leitura, já como uma ideia do que me estava reservado, mas sem conseguir imaginar a total dimensão apresentada nesta obra nem o desfecho que Ray Bradbury tinha reservado para Guy Montag.

Em Fahrenheit 451 somos apresentados a uma sociedade que, de forma assustadora, parece uma caricatura ao estado em que estamos actualmente. Uso a palavra "assustadora" para descreve o que senti pois este livro foi escrito em 1953. O autor parece fazer uma crítica à forma como a cultura de entretenimento e de evasão tomou conta das vidas das pessoas, usando a influência da televisão para o explicar. Ainda assim, Ray Bradbury parece adivinhar como toda esta tecnologia iria evoluir, dando origem às redes sociais e ao predomínio das relações virtuais em detrimento das pessoais. Disse que o livro foi escrito na década de 50? Disse sim.

As personagens deste livro vivem de forma robotizada. Cumprem as tarefas que lhe esão esperadas, entregam-se às imagens que os ecrãs instalados em casa lhes oferecem e pouco mais. Esta existência, alheada de tudo e todos, começa por nos transmitir a ideia de que a humanidade está fazia de sentido e de valores. Mais tarde, percebemos que existe também conformidade ou desespero sufocante que é abafado por tudo o que distrai e faz evitar o pensamento crítico. Afinal, o autor parece mostrar que é o desinteresse pelo conhecimento, pela arte e pela cultura que leva o ser humano a viver de forma vazia.

Guy Montag, o protagonista desta obra, surge como um homem que vive dentro deste sistema. Contudo, existe um gatilho que o leva a interrogar-se sobre este modo vida e sobre os ditos perigos que podem ser encontrados nos livros. É que este homem é um bombeito, o que quer dizer que tem como função queimar livros e tudo aquilo que lhes pode estar associado. Uma visão que causa estranheza e até desconforto. É interessante ver como Guy Montag começa a questionar as suas funções e a querer entendê-las em vez de apenas executá-las. O seu comportamento desviante é o que move a narrativa.

Através do olhar de Guy, também nós, leitores, questionamos o que move aquela sociedade, a forma como chegou àquele ponto e o modo como pode sair da apatia, ignorância e dessinteresse. E ao mesmo tempo que analisamos esta disfuncionalidade, também analisamos a nossa vivência atual e fazemos quase que um exame de consciência para perceber se estamos a ajudar no caminho para algo do género. Uma ideia que, certamente, assusta muitos (e infelizmente não todos).

A forma como Guy começa a romper com as convenções e a executar actos de rebeldia são uma chamada de atenção para a necessidade do pensamento crítico para a evolução da sociedade e das mentalidades. Este protagonista prova que é possível sair da apatia e do conformismo e que a existência de opiniões divergentes não é perigosa mas pode sim gerar progresso. O conhecimento não deve ser esquecido ou menosprezado, mas merece passar de gerações em gerações. Ao mesmo tempo, surge quase que uma declaração de amor ao formato livro e a todo o que ele nos pode oferecer.

Fanrenheit 451 é um daqueles livros que dificilmente se esquece. Imperdiível para quem ama livros e não só. Uma distopia que se tornou um clássico e que nos deixa adivinhar que se vai manter atual por muitos e longos anos, servindo como aviso e alerta para os erros que não se podem cometer. Uma obra que nos faz pensar sobre que livros nós somos e sobre a forma como podemos contribuir para a comunidade e sua evolução. Recomendo.

2 comentários:

katrina a gotika disse...

Vi o filme inspirado neste livro ainda na infância e li o livro há uns 20 anos. Tenho observado que o problema não está na televisão (antes da internet), nem nas redes sociais, nem noutra coisa qualquer que possa ser acusada de estupidificar as pessoas. As pessoas é que querem estupidificar-se a si próprias. Pensar dói. Prova disto é que os piores cenários de Bradbury (e doutros) nunca precisaram de se concretizar. Os governos não precisam de mandar queimar os livros. São as pessoas que não querem ler os livros. Peeferem fado, fátima, futebol, touradas, antes da televisão, e telenovelas, concursos, big brothers, festivais da canção, antes da internet; e finalmente chegamos aqui e nada mudou. As redes sociais são apenas a última distracção antes da próxima. O problema está mesmo nas pessoas. Bradbury apontou mal o dedo e foi demasiado generoso para com o ser humano. As massas não precisam de ser estupidificadas à força por nenhum regime totalitário. As massas estupidificam-se por preguiça.

Mariana Leal disse...

Espero muito ler este ano, já o tenho aqui :D O ano passado li 1984 e Brave New World, ambos muito bons.. acho que este não ficará atrás :)