quarta-feira, 23 de julho de 2014

Opinião: Lisboa no Ano 2000 – Uma Antologia Assombrosa Sobre uma Cidade que Nunca Existiu

Organização: João Barreiros:  
Autores: João Bareiros, Ricardo Correia, Jorge Palinhos, AMP Rodriguez, Carlos Eduardo Silva, Ana C. Nunes, Ricardo Cruz Ortigão, João Ventura, Joel Puga, Telmo Marçal, Michael Silva, Pedro Vicente Pedroso, Guiherme Trindade, Pedro G. P. Martins, Pedro Afonso
ISBN: 9789896374778
Editora: Edições Saída de Emergência (2013)
 
Sinopse:

Lisboa no Ano 2000 recria uma Lisboa que nunca existiu. Uma Lisboa tal como era imaginada, há cem anos, por escritores, jornalistas, cientistas e pensadores. Mergulhar nesta Lisboa é mergulhar numa utopia que se perdeu na nossa memória colectiva.

Bem-vindos a Lisboa!
Bem-vindos à maior cidade da Europa livre, bem longe do opressivo império germânico. Deslumbrem-se com a mais famosa das jóias do Ocidente! A cidade estende-se a perder de vista. O ar vibra com a melodia incansável da electricidade. Deixem-se fascinar por este lugar único, onde as luzes nunca se apagam, seja de noite, seja de dia. Aqui, a energia eléctrica chega a todos os lares providenciada pelas fabulosas Torres Tesla. Nuvens de zepelins sobem e descem com as carapaças a brilhar ao sol. Monocarris zumbem por todo o lado a incríveis velocidades de mais de cem quilómetros à hora. O ar freme com o estímulo revigorante da electricidade residual. Bem-vindos ao século XX! Lisboa no Ano 2000 recria uma Lisboa que nunca existiu. Uma Lisboa tal como era imaginada, há cem anos, por escritores, jornalistas, cientistas e pensadores. Mergulhar nesta Lisboa é mergulhar numa utopia que se perdeu na nossa memória colectiva.

Opinião:

Antologia electropunk, reúne um conjunto de histórias alternativas que tem Lisboa como lugar central de todos os contos selecionados. Esta cidade é apresentada como uma cidade livre enquanto a Europa está sobre o domínio germânico. O tempo é escolhido para o desenrolar da ação é o ano 2000, período onde a eletricidade é uma fonte de energia inesgotável e essencial.

Com base no cenário anteriormente descrito, os 15 autores selecionados deram largas à imaginação e apresentaram conteúdos distintos.

O Turno da Noite, de João Bareiros, dá as boas-vindas a este novo universo. Imbuído num ambiente negro, marca bem as diferenças sociais entre classes sociais através das convenções e comportamentos que são tidos num transporte público. O ambiente é cativante, em detrimento das personagens.

Venha a Mim o Nosso Reino, de Ricardo Correia, apresenta uma nova ideologia religiosa que tem como base o culto à eletricidade. Conto recheado de elementos, onde não faltam conspirações ou até freiras peritas em artes marciais. A ligação entre todos estes componentes pode não ser fácil de entender.

Os Filhos do Fogo, de Jorge Palinhos, retrata a necessidade do ser humano encontrar a imortalidade. O leitor acompanha bem a narrativa e fica entusiasmado com as invenções apresentadas e com os resultados obtidos.

Dedos, de AMP Rodriguez, representa o temor da humanidade para com a evolução tecnológica. A revolta da máquina contra o humano é explorada através de uma narrativa bem conseguida.

As Duas Caras de António, de Carlos Eduardo Silva, é um conto com fortes inspirações na espionagem realizada em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Personagens complexas e uma intriga que agarra.

Electrodependência, de Ana C. Nunes, mostra de que forma a eletricidade pode alterar o próprio ser humano. Num mundo dependente de eletricidade como energia e droga, existem humanos diferentes. Eles conseguem libertar eletricidade através da pele, o que os faz serem cobiçados e desumanizados. Uma reflexão sobre a exploração do outro em detrimento próprio.

Nanoamor, de Ricardo Cruz Ortigão é um texto com demasiadas complexidades para o seu tamanho. O leitor sente-se perdido nas divagações, apesar de estas serem cortadas por alguns momentos divertidos.

Energia das Almas, de João Ventura, apresenta o receio da utilização de fontes de energia mais poderosas e da forma como estas podem afetar a humanidade. Um conto que prova que é possível construir grandes tramas através da exploração de ideias base simples.

Fuga, de Joel Puga, surge como uma crítica às formas de produção cultural. Um homem que sonha em ser escritor é confrontado com uma mercado que descarta ideias originais e valoriza a reprodução em massa do que já é conhecido. Uma narrativa bem conseguida

Tratado das Paixões Mecânicas, é o segundo conto de João Barreiros. Passado no mesmo universo que o primeiro conto, o leitor assiste a uma tentativa de invasão da cidade de Lisboa por máquinas automatizadas. Ao contrário do primeiro conto, aqui as personagens cativam em detrimento das descrições.

O Obus de Newton, de Telmo Marçal, é uma das narrativas mais complexas. Repleta de informações e pequenos detalhes, faz lembrar A Viagem à Lua de Georges Melies ou a de Julio Verne. O leitor pode sentir-se um pouco perdido nos detalhes.

Ex-Machina, de Michael Silva, mostra uma realidade onde o pensamento dos mais fracos de espírito é comandado por uma força maior. Um texto com personagens bem construídas e repleto de momentos de ação.

A Rainha, de Pedro Vicente Pedroso, trata-se de um conto muito interessante. Um ambiente negro e monstros aquáticos servem de mote para uma narrativa onde a vingança e o oportunismo têm papel principal. Muito diferente dos restantes textos da antologia.

Taxidermia, de Guiherme Trindade é um conto muito forte, que agarra e faz o leitor deseja saber mais. Apresenta a extinção das espécies como consequência da evolução científica e tecnológica, o que leva à união da robótica com o embalsamento para a manutenção do Jardim Zoológico da capital. Uma reflexão sobre as utilizações da inteligência artificial e sobre a legitimidade da mesma.

Quem Semeia no Tejo, de Pedro G. P. Martins, apresenta um reino em vias de enfrentar um problema de sucessão. O herdeiro ao trono padece de um mal desconhecido sendo um cientista radical chamado para resolver o assunto. Um bom texto.

Coincidências, de Pedro Afonso, apresenta um escritor em busca de inspiração. De um momento para o outro, o protagonista vê-se envolto numa série de situações estranhas que poderão servir de base a uma nova obra. Um texto que merecia ser mais explorado de forma a apresentar maior credibilidade.

Chamem-nos Legião, de João Barreiros encerra esta antologia com chave de ouro. O leitor já conhece este mundo dos contos anteriores do autor e, por isso, concentra-se mais na trama. Repleto de conceitos interessantes e de ações que agarram a leitura. Peca apenas pelo tamanho, muito superior aos dos restantes contos.

Destaque ainda para o trabalho gráfico desta obra, que enquadra bem cada conto, fornecendo ao conjunto uma qualidade superior.

Esta Lisboa de um ano 2000 paralelo é uma cidade que tem tanto de fascinante como de assustador. É um lugar onde as convenções sociais são antiquadas e onde o desenvolvimento não garante qualidade de vida. É com interesse que visitamos esta cidade e descobrimos as suas muitas características, contudo, na próxima visita a Lisboa, de certeza que vamos ficar gratos por ela não ser a cidade da antologia.

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