segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Opinião: Tigana - A Lâmina na Alma (Livro Um)

Título Original: Tigana (1990)
Autor: Guy Gavriel Kay
Tradução: Carlos Daniel S. Vieira (adaptação de Jorge Candeias)
ISBN: 9789896376055
Editora: Edições Saída de Emergência (2013)

Sinopse:

"Tigana" é uma obra rara e encantadora onde mito e magia se tornam reais e entram nas nossas vidas. Esta é a história de uma nação oprimida que luta para ser livre depois de cair nas mãos de conquistadores implacáveis. É a história de um povo tão amaldiçoado pelas negras feitiçarias do rei Brandin que o próprio nome da sua bela terra não pode ser lembrado ou pronunciado. Mas anos após a devastação da sua capital, um pequeno grupo de sobreviventes, liderado pelo príncipe Alessan, inicia uma cruzada perigosa para destronar os reis despóticos que governam a Península da Palma, numa tentativa recuperar um nome banido: Tigana.Num mundo ricamente detalhado, onde impera a violência das paixões, este épico sublime sobre um povo determinado em alcançar os seus sonhos mudou para sempre as fronteiras da fantasia.

Opinião:

A ideia base de Tigana é intrigante: um reino subjugado e amaldiçoado, cujos descendentes tentam a todo o custo recuperar e vingar. Contudo, não logo para este conceito que Guy Gavriel Kay transporta o leitor. O início da leitura poderá parecer estranho e distante do que é apresentado na sinopse, mas com o decorrer da leitura é possível perceber que este é autor é um fabuloso contador de história. Através de um modo singular, faz-nos entrar dentro do espírito que se vive na Península de Palma, que tem forte influência nos principados italianos, e dá-nos, de um modo geral, a sua história. Só depois disto é que a aventura principal começa.

E que aventura! História complexa e forte, consegue arrebatar de forma lenta mas progressiva. É impossível não ficar impressionado com a destreza do autor na construção deste enredo destas personagens, dois grandes pontos fortes desta leitura. Gur Gavriel Kay atribui humaninade às suas figuras, sendo estas dotadas de uma grande profundidade. Percebe-se que se tratam de pessoas com personalidades próprias e limitações, sendo inagável perceber que são também possuidoras de um grande sofrimento, o que transmite um teor mais forte e pesado à trama.

Entre as personagens, destaco Alessan, que se vai revelando de forma incrível ao longo da narrativa, Baerd, que além de ser o companheiro fiel que vale pela sua força bruta tem um passado marcante e Devin, um jovem que finalmente desobri um intuito pelo qual vale a pena lutar e que é, muitas vezes, a figura pela qual assistimos à narração. De parte coloquei as figuras femininas, não por serem menos importantes, mas por terem uma força muito própria. Fiquei encantada com Dianora, uma mulher que pertence ao harém de um dos tiranos, que revela ser dotada de uma grande inteligência e que sofre ao ver os seus sentimentos em conflito. Catriana é também uma boa surpresa, e, se ao início não me conquistou, depressa justifica as suas ações e acaba por ser uma figura de grande relevância.

As forças oponentes aos nossos heróis estão representadas nas figuras dos tiranos que dividem entre si a Península de Palma. É curioso ver a preocupação do autor em apresentar dois homens repreesivos tão diferentes, sendo que no lado oriental existe Alberico de Barbadior, que governa de forma cruel, racional e sanguinária, e no lado ocidental há Bradin de Ygrath, mais emocional e tão perigoso quanto sedutor. Desta forma é inevitável reflectir sobre estes homens que acabam por ser perigos tão grandes, sendo que, numa primeira análise, eles complementam-se por partilharem diferentes franquezas e pontos fortes.

Ao longo de toda a narrativa é possível constatar a sensibilidade do autor para a construção de territórios com identidade própria e profundiade, o que fornece uma maior riqueza à leitura. É ainda perceptível uma noção de que todos são capazes de boas e más acções, ficando ainda a ideia de que é preciso saber lidar com as consequências das escolhas que são feitas. Com o avançar da trama, percebe-se que todos os pontos que pareciam isolados possuem uma ligação, o que fortalece esta obra.

Achei muito interessante a forma como o autor explora a ideia de Tigana enquanto reino esquecido por todos menos os seus descendentes. Faz pensar no quanto a história e riqueza cultural de um povo e o seu reconhecimento pelos outros é importante. Remete para o orgulho da pertença, dos grandes feitos realizados pelos antepassados e faz pensar no facto de que todos precisamos de um passado para conseguir seguir em frente.

Foi com grande expectativa que iniciei a leitura de Tigana e posso dizer, desde já, que este livro esteve muito longe de me decepcionar. Guy Gavriel Kay é realmente um autor no qual todos os fãs de fantasia deviam apostar. Com uma escrita característica e encantadora, uma capacidade de construir histórias surpreendentes e de dar vida a personagens fortes, proporciona uma leitura que marca e que dificilmente será esquecida. Fico a aguardar ansiosamente pelo segundo e derradeiro volume desta obra.

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